top of page

Era uma vez um rei muito vaidoso que gostava de andar muito bem arrumado. Um dia, um alfaiate espertalhão deu-lhe o seguinte conselho:

 

- Majestade, é do meu conhecimento que apreciais andar sempre muito bem vestido, como ninguém; e bem o mereceis! Descobri um tecido muito belo e de tal qualidade que os tolos não são capazes de o ver. Com um manto assim Vossa Majestade poderá distinguir as pessoas inteligentes das pessoas tolas, parvas e estúpidas que não servirão para a vossa corte.

- Oh! Mas é uma descoberta espantosa! - respondeu o rei. - Traga-me já esse tecido e faça-me a roupa; quero ver as qualidades das pessoas que tenho ao meu serviço.

O alfaiate mentiroso tirou as medidas do rei e, daí a umas semanas, apresentou-se dizendo:

- Aqui está o manto de Vossa Majestade.

O rei não via nada, mas como não queria passar por estúpido respondeu:

- Oh! Como é belo!

Então o alfaiate fez de conta que estava vestindo o manto no rei, com todos os gestos necessários e exclamações elogiosas:

- Vossa Majestade está tão elegante! Todos vos invejarão!

A notícia correu toda a cidade: o rei tinha um manto que só os inteligentes eram capazes de ver. Um dia, o rei decidiu sair para se mostrar ao povo, desfilando pela cidade, com sua comitiva real acompanhando.

Toda a gente fingia admirar a vestimenta, porque ninguém queria passar por estúpido, até que, a certa altura, uma criança, em toda a sua inocência, gritou:

- Olha, olha! O rei está nu!

Ninguém conseguiu segurar o riso. Todos gargalharam e só então o rei compreendeu que fora enganado. Envergonhado e arrependido da sua vaidade, correu a esconder-se no palácio.

(Baseado no conto “A roupa nova do rei” de Hans Christian Andersen)

 

É impressionante como o tema tratado neste conto infantil publicado em 1837 continua atual em nossas relações. Que atire a primeira pedra aquele que, em nome das convenções sociais, da civilidade, da cultura e até mesmo por medo ou preguiça, nunca agiu seguindo a hipocrisia coletiva que opta por ignorar aquilo que salta à vista e que ninguém se atreve a apontar?

 

As mentiras sociais grassam em nossas relações desde o âmbito familiar, amoroso, social até o de trabalho. São usadas para azeitar a máquina do relacionamento mas, dependendo do esforço que precisamos fazer para mantê-las vivas, geram insatisfações, mágoas e rancores que podem acabar afetando a saúde física, psicológica e a saúde do próprio relacionamento. Estas mentiras sociais servem à vaidade e à dominação. Muitos dizem concordar com uma situação apenas para ser aceito, para não ser o diferente, para não assumir a ignorância sobre algum assunto ou pela falta de coragem de arcar com o ônus da mudança.

 

Ao longo de nossa trajetória ora vivemos o papel do rei, ora vivemos o papel dos súditos bajuladores, mas independente do papel que vivemos, não queremos passar por tolos; nossa vaidade não permite isto e assim optamos por seguir vivendo uma farsa quando não assumimos os nossos erros ou quando sustentamos os erros do outro. Falar que o rei está nu é expor a verdade, é assumir-se, é desconectar-se da hipocrisia e este gesto abala todas as convenções as quais estamos acostumados e que nos forçam a engolir os sapos dos relacionamentos doentios.

 

Elogiamos (ou vestimos) a roupa inexistente do rei quando respondemos “sim” na hora em que queremos dizer “não” e as pessoas percebem e nada falam ou nada fazem; quando falamos “eu te amo” sem vontade apenas para agradar e a pessoa sabe e nada faz ou fala; quando fazemos amor sem vontade e a pessoa percebe mas segue catando as migalhas mesmo assim; quando mentimos que estamos indispostos justamente para não fazer amor e a pessoa percebe e finge que acredita talvez porque na verdade nem queria tanto assim; quando nos calamos diante de uma injustiça; quando não servimos à verdade; quando reforçamos vícios de caráter ou de comportamento de nossos filhos, irmãos, cônjuges e até de nossos pais; quando insistimos em tiranizar as pessoas que estão sob nossa liderança por pura miopia de si mesmos; quando nos permitimos ser tiranizados por parentes, cônjuges ou chefes dizendo “amém” a tudo e em nada contribuindo para o amadurecimento deles; quando apontamos as corrupções do governo, mas buscamos dar um jeitinho na hora de fazer sobrar mais dinheiro na nossa conta; quando não vivemos em sintonia com nossos valores.

 

Enfim inúmeras são as oportunidades que temos para viver mentiras e também inúmeras são as oportunidades que temos para nos libertarmos destas correntes. É uma questão de opção e de coragem.

 

E você? Tem coragem para dizer que rei está nu?

bottom of page