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“Feriado, sol, sensação térmica de 40º, praias lotadas, ...”

 

Assim comentava o telejornal enquanto exibia imagens da orla do Rio de Janeiro em um dia ensolarado de primavera que mais parecia janeiro. O único detalhe destoante, pelo menos para mim, era que o feriado era dedicado aos mortos, era dia 02 de novembro.

 

Lembrei-me que quando era criança o dia de finados era um dia para recordar (e chorar) os que já morreram. Não se ouvia música alta (na verdade não se ouvia música), as crianças não podiam correr ou fazer barulho, não se bebia álcool nem se comia carne. Hoje já não presenciamos estes rituais de saudade, o único costume que teima em se fazer presente é a visita aos túmulos dos entes queridos.

 

A forma de lidarmos com o dia de finados pode ter mudado, mas e com o luto e a morte? Nossa cultura nos prepara para lidarmos com a morte e com o luto?

 

Independente da vertente e da convicção religiosa que se tenha, a morte sempre deixa mais perguntas do que respostas, pois tudo que fica depois da morte é um grande vazio e um grande silêncio. Isto acontece porque fomos ensinados a pensar que a morte é o fim, porém lá no fundo sempre permanece uma dúvida. A única certeza que temos é que a pessoa que morreu não está mais entre nós, porém alguém que se mude para outro país e deixe de fazer contato também não está mais entre nós e agora?

 

Os clichês “passou desta para melhor”, “mudou de plano”, “Descansou” são na realidade paliativos para convencer quem consola, pois neste momento não há nada que se possa dizer ou fazer. A verdade é que o luto precisa ser vivido em todas as suas etapas para que possamos sair dele. Não vivenciar o luto nos elege a ficarmos fixados em uma de suas fases e a passarmos o resto da vida sem conseguir virar a página.

 

Vale a pena ressaltar que vivemos o luto em várias situações e não apenas na morte. Entender o luto e suas fases nos faz entender melhor os momentos de perda de emprego, final de relacionamento, não cumprimento de metas e demais situações de perda. O luto é um processo fundamental para cicatrizar a ferida emocional resultante de qualquer perda significativa.

 

O luto passa por cinco fases:

 

Negação: É a primeira fase do luto. Nesta fase a perda nos soa impossível, irreal e nos mostramos incapazes de aceita-la. O perigo de fixar-se nesta fase é o de desconectar-se da realidade. Neste momento vale muito a pena ouvir o conselho: Aceita que dói menos.

 

Raiva: Vem logo depois (às vezes ao mesmo tempo) da negação. Aqui reconhecemos a perda, mas a frustração desperta a raiva e começamos a questionar “Porque eu?”; “Tinha que ser comigo?”. Nesta fase surgem sentimentos de inveja em relação às pessoas que não foram atingidas pela perda e as palavras de conforto que venham delas pouco efeito têm. A dica é viver a raiva e escoar a agressividade, mas cuidado para não ficar fixado nesta fase e achar que o mundo é culpado pela sua infelicidade.

 

Negociação: A negociação surge quando a perda ainda não aconteceu, mas a pessoa já está ciente que ela vai acontecer (já viveu ou está vivenciando a negação e a raiva). É fase comum nos casos de final de relacionamento ou em doenças terminais. O individuo tenta negociar para que a perda não ocorra. As negociações ocorrem sob forma de promessas ou sacrifícios seja para com o cônjuge ou para com Deus. A fixação nesta fase gera manipulação emocional.

 

Depressão: Surge quando tomamos consciência de que a perda é inevitável e que não há o que fazer para reverter a situação. Ajuda profissional especializada é sempre útil nesta fase, manter a rotina (pois ela ajuda a manter o contato com a realidade), exercícios físicos, contato com amigos, familiares e animais de estimação preenchem o vazio e promovem a produção de hormônios que induzem a saída deste perigoso estágio.

 

Aceitação: É a última fase do luto. Nesta fase a pessoa aceita a perda sem desespero nem negação. Esta fase, para acontecer, depende da capacidade da pessoa em mudar a perspectiva, perdoar e assim poder preencher o vazio que fica dando novo significado ao ocorrido. Nesta fase a pessoa percebe que precisa optar entre fixar-se no luto e sofrer ou seguir com a vida com menos dor e mais aprendizado.

 

Estas fases não têm um tempo determinado para acontecerem ou um tempo determinado de duração e nem precisam obedecer a ordem acima descrita; tudo depende da perda e da pessoa. Entendo que algumas perdas são mais difíceis de cicatrizar, mas também vejo que algumas pessoas abraçam a dor como se só se reconhecessem nela passando a ter uma visão distorcida de si mesmos e da vida.

 

Não dá para falar em morte sem falar em vida. Seja para quem vai, seja para quem fica; é importante que valorizemos o tempo que temos, pois nunca sabemos o tempo que ainda nos resta. A morte é a única certeza que temos na vida, ela sempre chega. Um modo de driblar a morte é viver bem o quanto se possa; acumular e deixar boas lembranças para nelas seguirmos presentes na vida de quem ficou.

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